O dia 26 de março é marcado como Dia Roxo, ou Dia Internacional de Conscientização sobre a Pessoa com Epilepsia. A doença é a condição crônica neurológica mais prevalente no mundo – segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 50 milhões de pessoas têm epilepsia. No Brasil, 2% da população têm a doença. No Distrito Federal, o Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB) acompanha crianças e adolescentes com este quadro.
Giovanna Ferreira tinha 6 anos de idade quando começou a ter crises epiléticas. A família procurou ajuda médica e ela iniciou o atendimento no Hospital de Base, com a neurologista Renata Brasileiro. Em 2011, quando o Hospital da Criança de Brasília foi inaugurado, ela foi transferida para lá.
No Dia Roxo, quase quatro meses após a cirurgia, Giovanna comemora o sucesso do procedimento. A jovem, que completou 19 anos de idade no dia seguinte da cirurgia, já conseguiu realizar sonhos: “Minha vida está muito boa, nunca mais tive crises. Agora posso fazer minhas coisas, andar de bicicleta”, conta a adolescente. Antes da cirurgia, ela tinha muita vontade de aprender a cozinhar; agora, já consegue fazer o almoço sozinha.
A história de Giovanna foi citada na segunda-feira (25), em sessão solene da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). O chefe da neurocirurgia do HCB, Benício Oton de Lima, participou da mesa da sessão solene e falou sobre o trabalho do hospital na estruturação de um programa específico de cirurgias para epilepsia. “Existem várias cirurgias, dependendo do tipo de epilepsia e do tipo de maneira que essa criança pode ser tratada; o HCB uniu um time de especialistas que se envolvem nessa forma de tratamento”, relatou o neurocirurgião.
Ao longo da sessão, os participantes do evento destacaram o impacto que a epilepsia traz para a vida dos pacientes – inclusive na idade adulta, dificultando ações como dirigir ou encontrar um emprego. A embaixadora da Associação Brasileira de Epilepsia em Goiânia, Aline Pansani, comentou o dado de que mais de 50 milhões de pessoas no mundo têm epilepsia e ressaltou que ela “não é uma doença rara, mas é escondida. Essa sessão é uma forma de trazer luz para essa causa”.
Pansani lembrou, ainda, dos riscos associados à doença e que não são divulgados: “Poucas pessoas falam sobre a mortalidade. Quando falta um medicamento na rede pública de saúde e o paciente tem que alterar o medicamento ou ficar sem, as crises podem perder o controle e, em uma crise, ele pode morrer subitamente. Então, é importante dar visibilidade a todos”.
“A resposta a esse desafio é a conscientização. Temos que educar as pessoas sobre a verdadeira natureza da epilepsia, sobre como lidar com as crises convulsivas”
Jorge Vianna, deputado distrital
O deputado distrital Jorge Vianna, que propôs a sessão, reforçou que a sociedade precisa quebrar preconceitos que existem acerca da doença. “A resposta a esse desafio é a conscientização. Temos que educar as pessoas sobre a verdadeira natureza da epilepsia, sobre como lidar com as crises convulsivas”.
Sintomas
“A epilepsia é o cérebro com uma hiper-excitabilidade neuronal, de maneira anormal e síncrona, gerando estímulos elétricos fora do comum”, explica a neurologista pediátrica do HCB, Renata Brasileiro. A doença pode ter várias causas genéticas, infecciosas, acidentes vasculares cerebrais, traumatismo craniano e zika vírus, entre outras, e o diagnóstico é feito de forma clínica. “Ele é feito por profissional médico da saúde básica, desde que tenha recebido treinamento adequado; depois, o paciente é referenciado para um especialista”, afirma Brasileiro.
A conscientização sobre o Dia Roxo passa pelo entendimento dos sintomas da epilepsia – especialmente das crises acarretadas pela doença. “As mais conhecidas da população são aquelas em que o paciente cai, fica duro, se debate; são crises que chamamos de tônica-crônica generalizada ou bilateral, popularmente conhecidas como convulsivas”, diz a médica. Brasileiro alerta, porém, que há outras formas de crise: “Você pode ter crises de ausência; crises em que o paciente sente um mal estar; ou que a pessoa puxa só um lado do corpo, só a boca. Em algumas crises, perde a consciência, mas há crises em que a pessoa sabe o que está acontecendo”.
No HCB, a neurologista atende as crianças encaminhadas pela Central de Regulação da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) ao HCB. Unidade terciária de saúde, o hospital acompanha pacientes fármaco-resistentes. “São pacientes que vão precisar de uma equipe mais especializada porque, em geral, não respondem aos medicamentos utilizados. Fazemos uma investigação para considerar outras formas de tratamento, como dieta cetogênica, cirurgia de epilepsia”, esclarece Renata Brasileiro.
Tratamento
Para estimular a conscientização e a informação sobre a epilepsia, o Hospital da Criança de Brasília será iluminado de roxo
O principal tratamento são os remédios, mas há outras abordagens, como a dieta cetogênica. Segundo a neurologista, essa “é uma dieta rica em gordura, pobre em proteínas e com praticamente nada em carboidrato; o objetivo é mudar a fonte de energia para o cérebro. É um ambulatório composto por médico-neurologista e nutricionista”.
A estruturação do ambulatório de dieta cetogênica do HCB foi construída com apoio da neuropediatra do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), Ludmila de Lima. “A dieta funciona como uma medicação; é uma comida minimamente calculada pelo peso, estatura e condição nutricional do paciente por uma nutricionista especializada. Ela é basicamente feita de gorduras, um pouquinho de carboidratos (que são nossos açúcares), e a proteína é normal, porque ele precisa crescer e se desenvolver”, explica Lima.
Outra forma de tratamento é a abordagem cirúrgica, em que neurocirurgiões operam a área do cérebro onde se encontra a lesão neurológica que causa as crises epiléticas. Em novembro de 2023, o Hospital da Criança de Brasília realizou o procedimento para tratar a adolescente Giovanna Ferreira, então com 18 anos. O atendimento teve um diferencial: parte da cirurgia foi realizada com a paciente acordada – a região do cérebro que precisava passar por ressecção ficava muito próxima da área responsável pela fala. Por isso, a paciente precisou ser capaz de conversar durante o procedimento.
O HCB já realiza outras cirurgias do tipo, mas foi a primeira vez que o procedimento foi realizado com o paciente desperto. “Começamos normalmente, com a sedação, e expomos o cérebro para monitorizar a área da fala, saber se está fazendo sentido. A região a ser ressecada era muito próxima dessa área”, explica o neurocirurgião do HCB, Paulo Leão.
Para estimular a conscientização e a informação sobre a epilepsia, o Hospital da Criança de Brasília será iluminado de roxo, chamando a atenção da população.
*Com informações do Hospital da Criança
Fonte: Agência Brasília